Por que deve um país gastar dinheiro dos contribuintes em subsídios a filmes? Por que é que o cinema não pode "tomar conta" de si próprio? A estas perguntas, diz-nos Henrik Bo Nielsen, director do Det Dansk Filminstitut (Instituto de Cinema Dinamarquês), já os políticos responderam de maneira convicta, e em perspectiva de longo prazo, no início dos anos 70.
Na Dinamarca, estas foram questões importantes, hoje já não são discutidas. E as respostas tiveram em conta o nível de ambição que se tinha em relação aos cidadãos e, em especial, em relação às crianças. Ambição que tem vindo a aumentar. Reflexo disso foi a lei que na década de 80 fixou que um quarto do montante total de dinheiro atribuído anualmente ao cinema - cerca de 70 milhões de euros - deveria ser usado em actividades e produções que tivessem por alvo as crianças e jovens.
Mas toda esta história de sucesso começou quando a atenção foi centrada na educação dos futuros profissionais, ainda antes da actual política de subsídios. A Danish Film School (Escola de Cinema Dinarquesa), em que o Estado tem investido muito dinheiro, floresceu nos anos 70. Em anos de excepção chega a lançar para o mercado seis realizadores, sendo pelo menos um ou dois originários de outro país escandinavo. Isso cria competição no meio, o que atrai jovens criativos. Também o facto de ser dada quase toda a liberdade para aplicar o dinheiro onde se quer, incluindo em filmes a que se sabe que o mercado não vai responder bem, ajuda. "A maior parte do dinheiro não tem que ser gasta naquilo que a maioria das pessoas vê", diz Bo Nielsen. "Se fizéssemos isso, o apoio iria quase todo para filmes de entretenimento familiar e de vampiros. Como em todos os apoios às artes, devemos focar-nos naquilo que o mercado não trata muito bem. Ter políticos que aceitem que empreguemos cerca de 1,5 milhões de euros num filme que muito pouca gente verá, desde que seja artisticamente interessante, continuará a fazer progredir o cinema."
De certa maneira, pode dizer-se que a chave do sucesso é dar atenção aos mais novos. Do orçamento total anual para o sector, um quarto é aplicado em filmes para crianças e jovens. Isso tem enorme impacto. Significa que, depois de um certo tempo, se passa a ter mais capacidade para financiar produções de outros géneros porque o número de espectadores aumenta. Em 2010, por exemplo, um quarto das várias centenas de milhar de espectadores da Cinemateca de Copenhaga tinha menos de 7 anos de idade.
Existe uma estratégia combinada, ou seja, há uma estratégia na própria produção que se estende depois ao marketing e à distribuição dos filmes, exibidos regularmente no circuito comercial em sessões para as escolas. Todos os anos são elaborados programas para assegurar que todas as crianças têm acesso à experiência, tanto as que estão em idade escolar como pré-escolar. Há guias de estudo para os professores (também acessíveis aos pais), para que os filmes possam ser estudados. Uma enorme colecção (centenas) de filmes curtos e documentários podem ser descarregados livremente de um sítio na Internet gerido pelo Instituto.
"O programa educativo para os jovens está dividido em várias partes: visando sempre assegurar que as crianças possam visualizar os filmes, acompanhamo-las de modo a que os consigam trabalhar, a que sejam mais críticas, e também a que possam criar os seus próprios filmes", diz Charlotte Giese, responsável pela área de subsídio à produção de curtas e documentários para a infância e juventude. "Tentamos apoiar os professores, dando-lhes justificação educativa para levar os estudantes ao cinema, porque os filmes podem ser usados de várias maneiras. Actualmente, estamos a debruçar-nos mais sobre as crianças em idade pré-escolar, proporcionando-lhes as ferramentas para trabalharem os filmes de maneiras novas e até mesmo de os criarem elas próprias. Para os mais velhos, num estúdio interactivo que temos no Instituto, é possível dar a oportunidade única de dirigirem, de representarem, e de fazerem os seus pequenos filmes."
Para o Bo Nielsen, o apoio ao cinema infantil e juvenil é também uma questão de justiça social. "É evidente que as crianças das classes média e superior vão ao cinema com frequência. Recebem uma boa educação. Mas, as crianças das classes mais baixas terão possibilidade de ir ao cinema se o Estado não intervier? A resposta é não, não têm. Ir ao cinema implica também aprender a usar essa forma de arte, e para isso é preciso formação. No caso de um exame do 11.º ou do 12.º ano, podemos deparar-nos com um poema, por que é que não nos podemos deparar com um documentário ou com um filme?"
Numa época de crise económica global de que os dinamarqueses também se queixam, Bo Nielsen é claro: "Tivemos de reduzir o orçamento para 2012, mas optámos por cortar nos gastos do Instituto - viagens, assessorias, pareceres, etc. - não cortámos nos subsídios."
(Cinéfilos leiam, mas leiam mesmo, nem que seja só para sonhar com esta terra prometida.)