Posso dizer-te que jamais filmámos com um camponês, uma criança ou um velho, sem que nos tivéssemos tornado seu companheiro ou amigo. (...) Uma coisa muito importante: podiam verificar pelo nosso trabalho que eramos igualmente "camponeses do cinema" porque chegávamos por vezes a trabalhar dezasseis, dezoite horas por dia, e penso que eles gostavam muito de nos ver trabalhar.
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E quando tinhamos necessidade que eles continuassem a trabalhar connosco, mesmo deixando os animais sem comer ou as crianças sem serem tratadas, eles não o sentiam, na minha opinião, como um constrangimento. Era admirável ver isso. Como sabes, eu não tenho uma concepção tautológica do povo, mas penso que, no nordeste, eles têm uma maneira muito especial de lidar com as pessoas. Se chegares de repente, saudam-te, abrem-te as portas, dão-te pão, vinho, aquilo que têm. Por outro lado, não são "a bondade personificada", pois são igualmente muito duros. Simplesmente, passam bruscamente da doçura à violência.
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Sente-se no filme que há religiões mais antigas e, entre as próprias pessoas, o cristianismo é uma coisa muito epidérmica. Não é exagero, nem sequer uma liberdade poética, dizer que eles são druidas. Se os ouvisses falar das árvores, como as amam... Há ali qualquer coisa de muito antigo que não tem nada a ver com o cristianismo, tratava-se de torná-lo presente pela sua ausência.
ANTÓNIO REIS