(a propósito do cinema novo português)
"este, vivendo nos últimos anos de uma desconsoladora mediania, precisa de sangue novo. Os que ficaram para trás, alimentando-se das próprias limitações e criando o mito da impossibilidade de fazer cinema em Portugal, parece já nada terem para dizer."
"No jovem cinema português verifica-se uma actualização de processos narrativos, um apuramento final a que não será estranha a revelação de quadros técnicos de nível internacional, bem como a sincera adesão à realidade portuguesa. [...] Pena é que o público, desiludido, anos a fio, com os filmes portugueses e um tanto alheio às preocupações estéticas vanguardistas que animaram grande parte dos jovens realizadores, não tivesse respondido significativamente, levando, a curto prazo, o cinema português a uma nova derrocada.''
De novo, e desta feita pela própria mão da censura, a recepção no estrangeiro é muito mais importante do que em Portugal; como acontecerá com quase todos os outros filmes do novo cinema.
Essa difícil relação com o público constitui-se (até hoje) no principal calcanhar de Aquiles do modo como está estruturado o universo do cinema português: não tanto pela não entrada de dinheiro (as receitas de bilheteira, num mercado reduzido com o português, nunca mais voltarão a poder cobrir os custos de um filme, com custos crescentes a partir dos anos setenta) mas pelo défice de legitimação, que se irá acentuando.
Muitas vezes, essa distância que é pedida pelo novo cinema português é, ao avesso do que desde o início caracteriza o medium cinema, oposta à fruição, entrando muitas vezes naquela confusão, contra a qual tanto o pobre Bertold Brecht reclamou, entre distanciação e ausência de prazer, partilhando afinal de todo o fundo de desconfiança relativamente ao gozo que atravessa a estética, de Kant a Adorno e Lyotard. Para Kant, há dois sentidos possíveis da relação do prazer com o juízo: ou o juízo é a verificação do prazer (este objecto agrada-me) ou o prazer é um sentimento particular que segue o juízo, mas então o prazer nada nos pode fazer conhecer, é apenas o prazer de conhecer, ou de ter conhecido. É esse segundo tipo de relação que muito do nosso novo cinema concebe, o de um prazer para quem sabe ver e apreciar distanciadamente, enquanto o que caracteriza o cinema em geral, e também o cinema português anterior a que o público mais aderira, é justamente o gozo precedendo o juízo. Que se trata, aqui, de uma desnecessária confusão, provam-no o facto de os casos mais bem resolvidos da aventura do novo cinema português, como Oliveira e César Monteiro, não rejeitarem os gozos elementares que o cinema pode gerar, incluindo o humor constante.
Mesmo depois do 25 de Abril, acabada a censura política, será o mercado de distribuição e exibição continuar a funcionar, neste medium, como uma barreira total ao contacto do público com os filmes, por muito "actuais'' que sejam os seus temas. Silva Melo lembrava, em 1988, que "o facto de muitos filmes não chegarem a estrear provoca uma ausência de real muito grande. Porque não são confrontados com o público ou a falta dele, e com a concorrência. Tal como os décors e os actores são o real da filmagem, o público também é a realidade do cinema.''
retirado daqui
É um artigo muito longo mas verdadeiramente interessante e crucial para compreender como pouco mudou e o cinema português continua a ter dificuldades em se afirmar (apesar dos sinais subtis que começam a surgir da mudança de ventos), devido à preguiça visual do seu público, acabando por ser melhor recebido e compreendido no estrangeiro do que no seu próprio país.
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